sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

da licença paternidade. e da carência legal do pai.

é engraçado como todo o sistema pensa como a tutoria da criança (de um filho) pertencente ou responsabilidade apenas da mãe. é ela quem deve cuidar, dedicar-se integralmente aos cuidados da criança. digo isso porque tenho acompanhado de perto os primeiros dias de cuidados de Pedro, aqui, na casa de minha irmã, ao lado, diariamente, de meu cunhado, de minha irmã e de minha mãe. e percebo essas nuances.

o que acontece é que assim. minha irmã, como mãe, tem direito a quatro meses de licença maternidade (120 dias remunerados, de acordo com a CF de 1998, art. 7º, XVIII). com suas férias e o mês de junho, quando ocorrerá a Copa do Mundo Fifa 2014, o que provocará muitos dias de feriado e folga (sem trabalho, durante quase todo o mês, pelo Brasil todo), essa licença acaba se estendendo a seis meses. por outro lado, meu cunhado, como pai, tem direito à licença paternidade, que dura cinco dias corridos (prestem atenção: não são dias úteis, ou seja, contam-se os dias de feriado e final de semana; de acordo com a CF de 1998, art. 7º, XIX). minha irmã pariu na sexta-feira (17), quando teve início a licença paternidade (por conta dos preparativos etc.), que durou até a terça-feira (21). na quarta-feira, portanto, ele voltou a trabalhar.

nesse tempo, no entanto, pude perceber uma grande satisfação do meu cunhado em cuidar do filho, e acompanhar minha irmã nas alegrias mas também nas dores do pós-cirúrgico, assim como na composição do carinho para com Pedro por parte de ambos (coisa que, para mim, é tão raro como emocionante, já que meu pai, nesse sentido, foi bem ausente, assim como são os pais ao meu redor, seja primos, seja tios, seja os (ex-)maridos de primas e tias, que nunca foram muito interessados nisso, salvo alguma importantes exceções). esse cenário ocorreu não apenas na maternidade, mas se estendeu para casa. mas, ao voltar ao trabalho poucos dias depois, uma coisa se faz presente: por mais interessado e com vontade de cuidar e estar presente aos cuidados e carinhos e atenção ao filho, o que acontece é que, de acordo com a disposição das licença, o tempo integral de cuidado foi dado à mãe, de forma que os importantes laços de carinho são, majoritariamente tecidos com ela, ao longo dos dias, nos dias todos. e assim o será por ao longo de pouco mais de cinco meses. preocupado com o trabalho, as angústias e necessidades corporativas, o que acontece é que, mesmo preocupado e querendo estar bastante presente na criação do pequeno, o pai permanece alheio porque o sistema assim o faz, quando libera apenas míseros dias de licença paternidade. não que isso seja vontade da mãe ou do pai, nem estou argumentando que seja algo "natural" que a mãe se doe mais que o pai. o que digo é que, de acordo com a disposição legal, majoritariamente, é dado mais tempo para a mãe que ao pai para o cuidado com o filho.

se o fato de a mulher ter direito à licença maternidade de 120 dias, com remuneração garantida (garantia assegurada pela CF de 1998 (art. 7º, XVIII)), é uma vitória dos movimentos feministas, por outro lado, o fato de o pai não ter o mesmo direito aleija, de algum modo, o compartilhamento das responsabilidades e dos cuidados com a criança. de modo relativo, ou seja, relacionando a licença maternidade com a licença paternidade, esse direito, quando também não assegurado ao pai, deixa subliminarmente entendido que, culturalmente, é à mãe que se coloca não apenas o direito, mas o próprio dever de se dedicar integralmente ao cuidado dos filhos. como se não houvesse necessidade de o homem (pai) participar mais presencial e ativamente desse processo. e isso é, de alguma forma, constrangido pelo sistema, não apenas jurídico, mas cultural, que aceita naturalmente esse fato. ou seja, mesmo se o pai tiver a consciência ética e política de se posicionar como um pai presente e assegurado na sua condição de pai na criação dos filhos, o sistema burla sua vontade e sua potência política para tal.

assim, indiretamente, o que acontece é que, de uma definição ou uma decisão a nível macro (a lei), deriva uma série de outras situações micropolíticas, no âmbito caseiro e familiar, que juntas, potencializam a carência (estrutural, portanto) da presença do pai na criação das crianças. se à mãe é dado o direito (ou mesmo o dever) de cuidar integralmente do filho, a relação corporal, que já existe (a amamentação, a relação corporal de nove meses de geração do feto e da criança etc.), passa a ser ainda mais estendida, e a dependência ou satisfação com o corpo e com a presença da mãe é não apenas cultivada, mas passa a ser uma construção também cultural de presença. e, de alguma forma, reiteradamente, ou seja, dia após dia, com a mãe cuidando todo o dia de seu filho, com a ausência de várias horas do pai (e ainda a ausência mental, uma vez que o trabalho também consome os pensamentos, os desejos e os anseios fora do próprio ambiente de trabalho). a relação de mãe e filho vai se aproximando, à medida que a relação entre pai e filho, mesmo se essa poderia ser ainda mais próxima e mais forte, vai se distanciando, também dia após dia, mesmo a despeito da intenção de um pai em estar presente e participar ativamente das preocupações e dores da criação dos filhos.

lembrando que aqui, no Brasil, há projetos de lei em prol do aumento da licença paternidade, ainda em análise pelas Comissões da Câmara de Deputados Federal: são elas as PLs 3935/08, 4853/09 e 4913/09. de acordo com esses projetos, há a intenção de até igualar o tempo de licença paternidade ao da licença maternidade, ou seja, para que seja também de 120 dias remunerados. importante também sublinhar a campanha no Brasil do Instituto Papai, intitulada Dá Licença, Eu Sou Pai. vale a pena dar uma olhada.

referências

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979)
Reportagem do Jornal O POVO
Reportagem da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC)


de início,

Opa, Opa!

Essa é a primeira postagem desse blogue que nem sei bem do que se trata.

Ou melhor, talvez eu possa dizer do que se trata se averiguar aquilo sobre o que decido escrever aqui.

***

Fui tio há alguns dias. Cerca de oito dias. Sem contar os dias de gravidez em que a gente já se intitula -- linguística e afetivamente como tal. Sou o irmão mais novo e titio de primeira viagem. Esse poderia ser o blogue de um pai, de uma mãe; parece que ser o blogue de um tio é algo secundário, menor, ou menos importante. Mas isso não me importa: me importa é esse lugar de onde falo, as coisas que posso observar e intervir, refletir sobre, e como o posso fazer.

Pedro tem, portanto, oito dias hoje. Uma semana. Embora o tema desse blogue seja o fato de ser tio, não é bem Pedro que vai estar aqui durante o tempo que durar esse projeto. Talvez o tema seja mais o fato de ter um bebê ou uma criança ao nosso redor, de ter uma irmã recém-parida ou um cunhado que é pai de primeira viagem, ou uma mãe que foi vó agora. As complicações, os estresses, os caminhos e descaminhos de estar perto dessa vida que é tão grande, essa que um bebê carrega em si. Mas também articulando esses temas com outras questões importantes. Bem, isso a gente vai vendo e definindo ao longo do caminho. Portanto, esse não é (só) um blogue que poderia se destinar a titios ou titias que se identificassem com esse lugar de fala de onde me expresso; que esses o leiam, opinem, falem, vai ser importante. Mas a ideia é tratar de temas gerais que se cruzam e intercruzam com esse lugar de onde falo. Vocês vão entender melhor à medida que eu o for constituindo como blogue, por meio das estórias e das discussões que eu colocar aqui.

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No final das contas, isso pode ser mentira, pode ser uma invenção. Acreditem se quiser. Espero que se apaixonem.